sexta-feira, 30 de setembro de 2011

ENCONTRO DE ANTÔNIO MARINHO COM ZÉ DUDA

Literatura de Cordel
Herança do meu avô João Inácio de Lima


Antônio Marinho

Este é o  mais antigo dos folhetos de cordel encontrado na maletinha que pertenceu ao meu avô data de 1915. Trata-se de um encontro de Antônio Marinho com José Duda na Capital de Pernambuco, Recife.
Infelizmente, estava sem capa. Mas no resto, estava em perfeito estado de conservação.
Antônio Marinho era nosso parente, não sei com precisão o grau desse parentesco.

" Em 1915 encontraram-se na Metrópole Pernambucan os poetas José Duda: então o rei da poesia pernambucana e o jovem Antônio Marinho, depois alcunhado de "Águia do Sertão" uma das inteligências das mais vivas e vibrantes de São José do Egito.
Nesse encontro há verdadeiros rasgos de inteligência, vivacidade e altruismo dos grandes poetas de então, onde se destaca de maneira deveras surpreendente a figura de Antônio Marinho o grande vate para quem as rimas não deixaram segredo".

ENCONTRO DE ANTÔNIO MARINHO
COM ZÉ DUDA - 1915

Em novecentos e quinze
A minha terra deixei
Aos vinte e dois de agosto
No Rio Branco embarquei
No mesmo dia a tardinha
Na estação Central saltei

Procurava Zé de Lima
Colega de profissão
Que há uns dez ou doze anos
Tinha ido do Sertão
Sabia o nome da rua
Não sabia a posição

Vi na estação um homem
Traje de trabalhador
O qual comigo pensei
Que ele fosse um ganhador
Pelo que interroguei-o
Respondeu-me sim, Senhor

Me dispensou atenção
Ficou como quem espera
Eu disse vou ocupar-lhe
Porém o senhor tolera
Perguntei-lhe se sabia
A Rua da Roda onde era

Ele viu minha viola
Disse logo muito bem
Dou definição de tudo
Que nesse Recife tem
Conheço a Rua da Roda
E José de Lima também

E disse se quer ir vamos
Com minha bolsa na mão
Disse pode acompanhar-me
Saimos da estação
Passamos logo em seguida
A casa de detenção

Passmos a Rua Nova
Avenida principal
A mais garbosa e sublime
De todas da capital
Logo em seguida a do Sol
Rua de pouca moral

Eu figurava qual cego
Ele figurando o guia
Caminhava sem destino
Sem saber aonde ia
Passamos a Praça Concórdia
Joaquim Nabuco hoje em dia

Foi mostrando mais algumas
E eu prestando atenção
O beco do Calabouço
A travessa de São João
Dobramos a esquina da Roda
Que era minha precisão

Quando eu ia a nossa terra
Sempre ousava lhe chamar
Mas não era por emprego
E menos para trabalhar
Era para visitar-me
Se distrair e cantar

De fato fato sábado e domingo
Cumpria-se aquela sina
Sempre era em Casa Amarela
Santo Amaro da Salina
Guarda-Sol Encruzilhada
Matadouro, Ilha do Pina

Zé de Lima ali antigo
eu como principiante
Devido a ele já tinha
Conhecimento bastante
Um dia fomos cantar
Num arrabalde distante

Embarcamos na Central
Um sábado pela manhã
E enquanto o trem cortava
Uma formosa louçã
Oito horas mais ou menos
Fomos a Vila Natã

Na estação de Morenos
Chegamos fomos saltando
Um colega de Paulista
Logo fomos avistando
Já era Manoel Raimundo
Por José Duda esperando

Perguntamos a Raimundo
Por ali o que fazia
Estou esperando por Duda
P'ra fazer uma cantoria
Mas ele mandou dizer
Que só amanhã chegaria

Manoel Raimundo também
Perguntou por sua vez
Que andávamos fazendo
Onde vão cantar vocês
Caso não os incomode
Eu vou completar os três

Nós respondemos pois não
Se agradece a companhia
Fomos com Manoel Raimundo
Fizemos a cantoria
Brincamos a noite inteira
Amanhecemos o dia

No outro dia cedinho
Depois de uma refeição
Fomos esperar por Duda
Nos bancos da estação
Já a sineta anunciava
Partida de Jaboatão

Parece que tal sinal
Melhorou tudo de sorte
Breve uma locomotiva
Surgiu de dentro de um corte
Num dos carros conduzia
A Águia Velha do Norte

Que saltou na estação
E logo pode nos ver
Disse fazendo um gesto
Assim botaram a perder
Dissemos andamos fazendo
O que seu Duda vem fazer

Aí nos juntamos os quatros
Como é a forma moderna
Entramos no barracão
Como quem não se governa
Bebendo em todo lugar
E glosando em qualquer taberna

Naquele dia em Natã
Só era o que se falava
Quatro cantores da Praça
todo mundo admirava
E eu ser também do Recife
Era só o que faltava

Como ia com os outros
 E ninguém me conhecia
Me chamavam praciano
E eu também nada dizia
Achando bom ser da Praça
Na vida ao menos um dia

Assim levamos o dia
Só em beber e glosar
As cinco horas da tarde
Tratamos em nos separar
Saindo de dois a dois
Cada dois para um lugar

Zé Duda e Manoel Raimundo
P'ra casa de Manoel Monge
Eu fui com José de Lima
Para a rua da Cabonge
Umas quatrocentas braças
Uma da outra era longe

Zé Duda e Manoel Raimundo
Formaram seu arraial
Eu também com Zé de Lima
Até não fomos tão mal
Na casa do capitão
Joaquim Távora de Tal

Eu disse a José de Lima
É preciso lhe avisar
Canto hoje até meia noite
Porque preciso voltar
A Rua da Boa Vista
Ver hoje o Duda Cantar

Lima disse muito bem
E o contrato se fez
nunca ouviste José Duda
Está muito bom desta vez
Mas foram eles quem chegaram
As onze e cincoenta e três

Faltavam sete minutos
Estávamos terminando
Quando vimos muita gente
Do chalé se aproximando
Na frente daquele povo

Nós vimos se levantando
Nossos espectadores
Eles entravam dizendo
Boa noite meus senhores
Deram um tema inda me lembro
Hoje quatro cantadores

Deram logo o copo a Duda
Disse ele até já bebi
Mas como o senhor me pede
Vou fazer o gosto a si
Levou fim toda "genebra"
Que apareceu por ali

Duda recusou o copo
Depois sempre recebeu
E eu não tenho lembrança
Se outra pessoa bebeu

Depois deixamos a glosa
Foi o trabalho primeiro
Vi que José Duda disse
Zé de Lima, cavalheiro
Se possível eu quero
Cantar com teu companheiro

Zé de Lima disse canta
Dê o caso no que der
Salvo caro José Duda
Se Marinho não quiser
Apenas é meu companheiro
Porém canta com quem quer

Mas eu vi que Zé de Lima
Qualquer cousa auxiliou
O capitão Joaquim Távora
Um jaquinha cortou
Preparamos os instrumentos
E José Duda perguntou

Então Antônio Marinho
A quem nunca conheci
Pelos outros cantadores
Ouvia falar em si
O senhor é do sertão
e que anda fazendo aqui

Zé Duda sua pergunta
Vou Responder de momento
Sou filho de São José
Cantor de pouco talento
Ando vendendo cantigas
Comprando conhecimento

Anda vendendo cantigas
Comprando conhecimento
Mas me diga se não acha
Que isso é muito atrevimento
Outro homem aqui não canta
Sem o meu consentimento

Eu não duvido porque
Nunca duvidei ninguém
Pretendo apenas saber
Que direito o senhor tem
Se cantar aqui paga imposto
Diga que eu pago também

Não é porque pague imposto
Com isto niguém me vence
Que triunfa de seu Duda
É que cantador não pense
Eu quero que todos saibam
Que essa terra me pertence

Até aí senhor Duda
Ainda tenho razão
Vim a trem, cheguei a noite
Quando baixei do Sertão
Tanto que não vi os postes
De sua demarcação

Eu não sou proprietário
Mas aqui sou professor
Diante de mim cantando
Ninguém mostrará valor
Nisso Recife tem dono
Este velho cantador

Tenho visto maior cousa
Se tornar pequena e vã
Alguém subindo a ladeira
Cansa antes de ver a chã
O senhor domina Recife
Aqui é Vila Natã

Eu domino em qualquer canto
Saibas Antônio Marinho
Recife é minha rodagem
Mas tem estrada e caminho
Que são os seus arrabaldes
Domínios deste velhinho

Zé Duda eu não posso ser
Maestro de cantoria
Professor da vossa arte
Consultório em poesia
Mas também quando viajo
Ando sem carta de guia

Mas quando vagar a notícia
Que José Duda morreu
Vocês mesmo todos dizem
A semente se perdeu
E Pernambuco não cria
Outro Duda como eu

Tenho visto mais fartura
Transforamar-se em escassez
Pode o mesmo Pernambuco
Brotar flores outra vez
Quem vinga um, vinga dois
E quem cria dois, cria três

Cuidado Antônio Marinho
Comigo ninguém se iluda
Porque p'ra cantar repente
Só se fala em José Duda
Velho que quando arma um verso
Baixa um anjo que ajuda

Até aí senhor Duda
Sou a sua imitação
Quando armo um verso também
Naquela ocasião
Parece seguir-me um anjo
Levando uma luz na mão

Olhe depois ninguém diga
Que o velho Zé duda é mau
Que o velho sobe a tribuna
Menino desce degrau
Fala fino, almoça couro
Fala grosso, janta pau

Um velho lutar comigo
É um negócio que está findo
Velho onde anda é escorregando
Onde escorrega é caindo
Onde cai, fica deitado
Onde se deita é dormindo

Então Antônio Marinho
Não nos convém discussão
Desculpa-me a ousadia
 Da minha interrogação
Me dizes se és hoje em dia
O cantor do teu sertão

Caro Zé Duda eu sou
Fraco cantor de repente
Ainda sem profissão
Cantando casualmente
Este nome, são os setanejos
Que dão imeritamente

Faz bem me dizer assim
P'ra não ser exagerado
Mas não é essa a notícia
Que por aqui tem chegado
Do mesmo José de Lima
Estou muito bem informado

José Duda não é tanto
Quanto os mais dizem a si
Zé de Lima por exemplo
Tem razão até aí
É filho da mesma terra
Nasceu onde eu nasci

Não somente Zé de Lima
Mais alguém em quantidade
Tem me dito que tu és
Na tua localidade
Eu soube desta notícia
Venho saber se é verdade

Duda não sou mais do que
Fraco cantor de repente
Como já disse é um nome
Que dão imeritamente
E tudo não é verdade
Mas quem lhe disse não mente

É essa mesma notícia
que vaga lá na cidade
Se quem me disse não mente
Queres dizer que é verdade
Mas para enfrentar o Duda
Eu acho pouco a idade

Com vinte e oito anos
Quatro nesta profissão
pronto para enfrentar tudo
Meus anos ainda não estão
E os seus porque já passaram
estão em pior condição

Então Antônio Marinho
Discussão não nos convém
Faço isto p'ra saber
Quem canta ou não canta bem
Que sou o cantor dessa terra
Mas não catuco ninguém

Eu logo achei impossível
Emigrar do meu Sertão
E o senhor expulsar-me
Em vez de dar proteção
Tanto que ia perguntar
Pela sua educação

Marinho isto é um costume
Que o velho colega tem
Que é para saber logo
Quem canta ou não canta bem
Que não sei que dia passo
Por sua terra também

Bem sei que é José Duda
Nosso forte baluarte
O foco de luz central
Gasometro de onde parte
Toda iluminação
Que nos clareia esta arte

Se embarcar no trem da Várzea
Na estação do Zumbí
Pergunte que todo mundo
Diz a etrada é essa aí
Se quer visitar o Duda
Ele mora bem alí

Estou no Recife a meses
E andar a sós começo
Do Recife a Caxangá
Raras vezes atravesso
Como estou a precisar
Do favor não me dispesso

Findamos a cantoria
 De "genebra" tudo cheio
Creio que o meu cantar
Não achou tão mau, tão feio
Tanto que em quinze eu fui
E em dezessete ele veio.

FIM

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