domingo, 2 de outubro de 2011

O CASAMENTO DO CALANGRO

Myebook - O Casamento do Calangro - click here to open my ebook

CLIQUE NO BOTÃO LARANJA
LEIA O CORDEL NA ÍNTEGRA

O casamento do Calangro é um história contada em versos, cujos personagens são "bichos" nordestinos, que repetem a história dos homens.

Esse cordel que apresento hoje é de autoria do poeta João Martins de Atayde. Natural da então Vila Cachoeira da Cebola, pertencente ao município de Ingá, na Paraíba, é considerado um dos poets mais populares do Norte do Brasil.

É um dos mis importantes cordelistas brasileiros, tendo se tornado um verdadeiro ídolo popular. Não apenas de gente pobre e humilde, semi-alfabetizada e mesmo analfabeta do interior, mas da gente remediada e rica das zonas urbanas, capitais e cidades importantes, entre elas Salvador, Recife e Fortaleza.

Leia o e-book no Google, CORDEL- JOÃO MARTINS DE ATHAYDE, é um livro com 216 páginas que traz no seu bojo a dimensão do valor desse grande vate nordestino.

Clique no link abaixo para ler sobre este grande poeta
no e-book Google:


Ou, ainda, se preferir clique no site da Livraria Cultura e peça o seu exemplar por apenas R$ 22,00.


Clique no link abaixo:





sábado, 1 de outubro de 2011

A HISTÓRIA DE JOSÉ DO EGITO


História de José do Egito
João Martins de Atayde

Jacob foi um patriarca
De uma vida exemplar
Teve Raquel como esposa
Uma jovem singular
Pai de José do Egito
De quem pretendo falar.

Foram pais de onze filhos
De uma só geração
Não quero falar de todos
Pra não fazer confusão
Falo em José do Egito
Benjamim e Simião.

José era o mais moço
De Jacob era estimado
Devido essa simpatia
Pelos outros era odiado
Esse ódio aumentou tanto
Que o velho tinha cuidado.

José conhecendo isso
A todos ele temia
A intriga aumentou mais
Porque José disse um dia
Um crime que tinham feito
De cujo ninguém sabia.

Eles pensavam consigo
O que deviam fazer
Para dar fim a José
Sem o velho conhecer
Vivia o pobre menino
Sentenciado a morrer.

Disse José aos irmãos:
- Eu essa noite sonhei
Que nós andávamos juntos
E por um lugar passei
Vi onze adorando um
Quem era, também não sei.

Disse José outra vez:
- Eu tive outro sonho assim
Que me achava no deserto 
Dum oceano sem fim
O sol, a lua, onze estrelas
Estavam adorando a mim.

Ficaram encolerizados
De inveja e de paixão
Vendo que aqueles sonhos
Eram a predestinação
Entre si todos juraram
De assassinar o irmão.

Eles pastoravam gado
Distante da moradia
Já o velho impaciente
Por não vê-los todo dia
Mandou José saber deles
Sem se lembrar da porfia.

Quando avistaram José
Criaram tanto rancor
Olhavam uns para os outros
Com olhos de traidor
Dizendo: - Vamos matá-lo
Porque ele é um sonhador.

Disse Rubens aos outros:
- Cá na minha opinião
Eu acho uma cousa triste
Assassinar um irmão
Botem ele na cisterna
Não lhe dê água nem pão.

Assim mesmo eles fizeram
Quando o menino chegou
Tiraram o roupa toda
Ele despido ficou
Botaram ele na cisterna
Ali mais ninguém passou.

Depois que José estava
Naquela horrenda prisão
Passaram uns israelitas
E tiveram compaixão
E chamaram os assassinos
Para comprar-lhes o irmão

Por vinte moedas em prata
Foi o menino vendido
Todos que assistiram a venda
Consideravam perdido
Numa nação estrangeira
Como escravo desvalido.

Depois pegaram a túnica
Que José tinha deixado
Quando entrou na cisterna
Que eles tinham tirado
Mandaram levar ao velho
E dar-lhe mais um recado.

Botaram sangue na túnica
E mandaram o velho ver
Dizia assim o recado:
- Meu pai, procure a saber
De quem era essa túnica
Não podemos conhecer.

Quando o velho viu a túnica
Começou logo a chorar
Oh! Meu Deus, perdi meu filho
Como é que hei de passar?!
Foram as feras do deserto
Que o quiseram matar!

Enquanto Jacob chorava
A morte do filho amado
Ele entrava no Egito 
Para onde foi levado
Foi vendido a Putifar
Intendente do reinado.

José que era um moço
Dotado de consciência
Putifar encontrou nele
Força de inteligência
Confiou da sua casa
Toda superintendência.

Em poucos dias depois
A mulher de Putifar
Intentou gozar-se dele
Não pode realizar
Por meio da falsidade
Prometeu de se vingar.

Disse ela a Putifar:
- Seu empregado é ruim
Inda ontem aquele infame
Dirigiu pilhéria a mim
Sendo eu sua esposa
Não posso ficar assim.

Putifar logo afobou-se
Ficou sego de paixão
E mandou chamar José
Na mesma ocasião
Foi duas praças com ele
Pra remetê-lo à prisão.

Entrou José na prisão
Dele ninguém tinha dó
Depois ficou mais contente
Porque não estava só
Se achava mais um copeiro
Da corte de Faraó.

Depois chegou um padeiro
Que preso também ficou
Um deles teve um sonho
E outro também sonhou
Todos mistérios dos sonhos
Foi José quem decifrou.

Disse o padeiro a José
Tudo que tinha sonhado
Por ordem de Faraó
Ia ser crucificado
E pelas aves de rapina
Seu corpo era devorado.

Disse o copeiro a José
Prometendo não faltar
- Pela sua liberdade
Eu tenho de trabalhar
Só terei algum descanso
Quando você se soltar.

Apesar dessa promessa
Ser de tão boa vontade
Porém como a tal prisão
Foi feita com falsidade
José passou mais dois anos
Sem gozar da liberdade.

Faraó teve dois sonhos
Que o impressionaram
Vendo sete vacas gordas
Que dele se aproximaram
Vinham outras sete magras
Que as gordas devoraram.

Quando foi no outro dia
Faraó mandou chamar
Todos os sábios que haviam
Residentes no lugar
Cada um disse uma asneira
Não puderam decifrar.

O copeiro então lembrou-se
Do que tinha se passado
De um sonho que tinha tido
E José tinha decifrado
Mandaram soltar José
E trouxeram para o reinado.

José chegando na corte
Foi muito em recebido
Para decifrar o sonho
Que o Faraó tinha tido
José explicou tudo
Sem ter de nada sabido.

- Senhor; lhe disse José
Os sonhos são verdadeiros
Essas vacas gordas
São sete anos primeiros
Serão de tanta fartura
De abarrotar os celeiros.

- E as sete vacas magras
Por minha vez também cismo
São sete anos de seca
De miséria e cataclismo
A nação que descuidar-se
Cairá sobre o abismo.

- Eu acho conveniente
Que a vossa majestade
Procure um bom ministro
Que tenha capacidade
Para comprar todo trigo
Que aparecer na cidade.

- Se acaso rei meu senhor
Este conselho não tome
Chegando o tempo da crise
O Egito muda de nome
Se acabam os pobres na rua
Todos morrendo de fome.

Faraó vendo a conversa
Anti-tradicional
Vendo que o cataclismo
Se torna universal
Disse a José: És ministro
Pela ordem imperial.

O rei lhe dizendo isso
Entregou-lhe um anelão
Dizendo: Pega esta jóia
Que te dou por distinção
Dora em diante serás chefe
De toda esta nação.

Tinha José nesse tempo
Trinta e um anos de idade
Tomou conta da missão
Tinha plena liberdade
De fazer naquele reino
O que tivesse vontade.

Chegou o tempo abundante
José pegou a comprar
Trigo, feijão e farinha
Vindos de todo lugar
Depois dos celeiros cheios
Não teve onde botar.

Mandou fazer um depósito
De muito grande extensão
Num dos pontos da cidade
Prevendo a ocasião
Pra socorro da pobreza
Sendo da sua nação.

Um tempo assim como aquele
Nunca se viu outro igual
As nações tinham fartura
De um modo descomunal
Findou o tempo abundante
Entrou a crise fatal.

Já depois de quatro anos
Que o cataclismo assolava
O povo das caravanas
Que no Egito passava
Via que nesse lugar
Em fome nem se falava.

Vagou aquela notícia
Que no Egito inda tinha
Recurso para a pobreza
Trigo, feijão e farinha
Todo dia vinha gente
Da região mais vizinha.

A fome assolava o mundo
O grande também sofria
Substância de alimento
Em parte alguma se via
O rico morrendo à fome
E o dinheiro não vali.

Jacob, o pai de José
Vendo o tempo muito ruim
Mandou os filhos ao Egito
Naquelas estradas sem fim
Mandou os outros mais velhos
E ficou com Benjamim

Chegando eles no Egito
Depressa foram levados
À presença de José
Para serem interrogados
José conheceu bem eles
Logo que foram chegados

José fingiu-se inimigos
Vendo aqueles condições
Que os irmãos se achavam
Sabendo que eram bons
Lhes disse: de onde vêm
Que me parecem uns ladrões?

Responderam com espanto:
É horrível a nossa sina
Somos filhos de Jacob
Natural da Palestina
Viemos comprar legumes
Que a fome lá é canina.

José ficou comovido
Porque tinha compaixão
Apesar de ter sofrido
Deles aquela traição
Então perguntou a eles:
Sua irmandade quais são?

- Nós éramos 12 irmãos
O caçula não quis vir
Porque meu pai já é velho
Só ele o pode servir
Quanto ao nosso irmão José
Esse deixou de existir.

Disse José para eles:
Eu só posso acreditar
Desse seu irmão mais novo
Se vocês forem buscar
Ficando um de vós preso
Até o outro chegar.

Disseram: rei meu senhor
Nós não fazemos questão
Nos venda um pouco de trigo
Temos muita precisão
Quanto ao que fica preso
Deixo ficar Simião

José mostrou-se contente
Deu a resposta que sim
Mas disse a eles depois:
O tempo inda está ruim
Quando vier comprar trigo
Me traga o tal Benjamim

Aí voltaram os outros
Porém sem consolação
Chegaram na Palestina
O patriarca ancião
Foi perguntando aos filhos:
Onde ficou Simião?

- Simião ficou lá preso
Agora é que está ruim
Porque quando nós saímos
O rei nos disse assim:
Quando vier comprar trigo
Me traga o tal Benjamim

Dizia o velho chorando:
Chegou o meu triste fim
Porque é esse um dos filhos
Que não se aparta de mim
Como viverei no mundo
Ficando sem Benjamim?!

Judá insistiu com ele
Contando o que foi passado
- Eu tomo conta de tudo
Meu pai, não tenha cuidado;
Dizia o velho: ele indo
Para mim foi sepultado!

- Se eu digo estas palavras
É porque tenho razão
José os bichos comeram 
Nas brenhas da solidão
Agora sem haver crime
Ficou preso Simião!

Judá pelejou com ele
Até o velho aceitar
Se Benjamim lá não fosse
Nada podia arranjar
Só no Egito é que tinha
O que eles iam comprar.

Eles seguiram viagem
O velho ficou sentido
Judá chegou no Egito
Foi muito em recebido
Porque levou Benjamim
Que José tinha pedido.

José vendo Benjamim
Conheceu logo também
Perguntou com cara feia
(porém os tratando bem):
É este o irmão mais novo
Que vocês dizem que têm?

Judá lhe disse que sim
Partido de comoção
Dizendo: - Rei, meu senhor
Nos conceda a permissão
Para que possamos ir
Aonde está Simião?

Disse José: podem ir
Visitar o seu irmão
Ele até aqui não teve
Nenhuma perturbação;
José só tinha ele preso
Fazendo a comparação.

José diante essas coisas
Não podia se conter
Chorava em seu aposento
Que só faltava morrer
Pois inda não era tempo
De se dar a conhecer.

Todos irmãos de José
De nada tinha sabido
Vendo José como rei
Dum país desconhecido
Sendo ele o tal irmão
Que eles tinham vendido

Depois José chamou eles
Dando plena liberdade
Dizendo: vão passear
Pelas ruas da cidade;
Só assim José podia
Fazer a sua vontade.

Eles com essas palavras
Ficaram muito contentes
Aí José mandou logo
Chamar o seu intendente
Dizendo: encha bem cheio
O saco daquela gente

- Depois dos sacos bem cheios
Faça jeito de botar
A minha taça de prata
Sem ninguém desconfiar
No saco de Benjamim
Pra quando ele for, levar

O intendente fez tudo
Como José lhe mandou
No saco de Benjamim
Ele a taça colocou
Benjamim que não sabia
No outro dia levou

Assim que eles saíram
José mandou uns soldados
Dizendo: peguem uns rapazes
Que vão ali carregados
E tragam a minha presença
Para serem interrogados

Eles iam muito alegres
Só por levar Simião
Dizia Judá: fizemos
Muito boa arrumação;
Nisto gritaram pra eles
Lhes dando voz de prisão

Logo aí foram levados
À presença de José;
- Quem roubou a minha taça
Terá prisão de galé
Faz vergonha nos senhores
Não ter um homem de fé

Disseram: rei, meu senhor
Nós nunca roubamos nada
Essa taça de que falam
Nunca pode ser achada
Mande correr nossos sacos
Só ela sendo encantada.

- Não pensei que em Palestina
Tivesse gente ruim
Passem u'a corra nos sacos;
José então disse assim
A taça foi encontrada
No saco de Benjamim

Aí caíram por terra 
Botando os joelhos no chão
Dizendo: rei, meu senhor
De nós nenhum é ladrão
Porém seremos levados
À morte na prisão.

José partido de pena
Não podendo resistir
Disse ao seu intendente:
Mande este povo sair
Basta ficar estes homens
A quem preciso eu ouvir

Quando saiu todo povo
Inda mais se comoveram
José lhes disse chorando:
- Inda nao me conheceram?
Eu sou vosso irmão José
O tal que vocês venderam

Que hora amarga e feliz
Para quem compreender!
Toda tristeza que havia
Foi transformar-se em prazer
Ficaram todos felizes
Dessa data até morrer

José mandou vir também
O seu pai idolatrado
Quem trouxe foi seu irmão
Com muito zelo e cuidado
Jacob findou os seus dias
Vivendo sempre ao seu lado.

FIM

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

ENCONTRO DE ANTÔNIO MARINHO COM ZÉ DUDA

Literatura de Cordel
Herança do meu avô João Inácio de Lima


Antônio Marinho

Este é o  mais antigo dos folhetos de cordel encontrado na maletinha que pertenceu ao meu avô data de 1915. Trata-se de um encontro de Antônio Marinho com José Duda na Capital de Pernambuco, Recife.
Infelizmente, estava sem capa. Mas no resto, estava em perfeito estado de conservação.
Antônio Marinho era nosso parente, não sei com precisão o grau desse parentesco.

" Em 1915 encontraram-se na Metrópole Pernambucan os poetas José Duda: então o rei da poesia pernambucana e o jovem Antônio Marinho, depois alcunhado de "Águia do Sertão" uma das inteligências das mais vivas e vibrantes de São José do Egito.
Nesse encontro há verdadeiros rasgos de inteligência, vivacidade e altruismo dos grandes poetas de então, onde se destaca de maneira deveras surpreendente a figura de Antônio Marinho o grande vate para quem as rimas não deixaram segredo".

ENCONTRO DE ANTÔNIO MARINHO
COM ZÉ DUDA - 1915

Em novecentos e quinze
A minha terra deixei
Aos vinte e dois de agosto
No Rio Branco embarquei
No mesmo dia a tardinha
Na estação Central saltei

Procurava Zé de Lima
Colega de profissão
Que há uns dez ou doze anos
Tinha ido do Sertão
Sabia o nome da rua
Não sabia a posição

Vi na estação um homem
Traje de trabalhador
O qual comigo pensei
Que ele fosse um ganhador
Pelo que interroguei-o
Respondeu-me sim, Senhor

Me dispensou atenção
Ficou como quem espera
Eu disse vou ocupar-lhe
Porém o senhor tolera
Perguntei-lhe se sabia
A Rua da Roda onde era

Ele viu minha viola
Disse logo muito bem
Dou definição de tudo
Que nesse Recife tem
Conheço a Rua da Roda
E José de Lima também

E disse se quer ir vamos
Com minha bolsa na mão
Disse pode acompanhar-me
Saimos da estação
Passamos logo em seguida
A casa de detenção

Passmos a Rua Nova
Avenida principal
A mais garbosa e sublime
De todas da capital
Logo em seguida a do Sol
Rua de pouca moral

Eu figurava qual cego
Ele figurando o guia
Caminhava sem destino
Sem saber aonde ia
Passamos a Praça Concórdia
Joaquim Nabuco hoje em dia

Foi mostrando mais algumas
E eu prestando atenção
O beco do Calabouço
A travessa de São João
Dobramos a esquina da Roda
Que era minha precisão

Quando eu ia a nossa terra
Sempre ousava lhe chamar
Mas não era por emprego
E menos para trabalhar
Era para visitar-me
Se distrair e cantar

De fato fato sábado e domingo
Cumpria-se aquela sina
Sempre era em Casa Amarela
Santo Amaro da Salina
Guarda-Sol Encruzilhada
Matadouro, Ilha do Pina

Zé de Lima ali antigo
eu como principiante
Devido a ele já tinha
Conhecimento bastante
Um dia fomos cantar
Num arrabalde distante

Embarcamos na Central
Um sábado pela manhã
E enquanto o trem cortava
Uma formosa louçã
Oito horas mais ou menos
Fomos a Vila Natã

Na estação de Morenos
Chegamos fomos saltando
Um colega de Paulista
Logo fomos avistando
Já era Manoel Raimundo
Por José Duda esperando

Perguntamos a Raimundo
Por ali o que fazia
Estou esperando por Duda
P'ra fazer uma cantoria
Mas ele mandou dizer
Que só amanhã chegaria

Manoel Raimundo também
Perguntou por sua vez
Que andávamos fazendo
Onde vão cantar vocês
Caso não os incomode
Eu vou completar os três

Nós respondemos pois não
Se agradece a companhia
Fomos com Manoel Raimundo
Fizemos a cantoria
Brincamos a noite inteira
Amanhecemos o dia

No outro dia cedinho
Depois de uma refeição
Fomos esperar por Duda
Nos bancos da estação
Já a sineta anunciava
Partida de Jaboatão

Parece que tal sinal
Melhorou tudo de sorte
Breve uma locomotiva
Surgiu de dentro de um corte
Num dos carros conduzia
A Águia Velha do Norte

Que saltou na estação
E logo pode nos ver
Disse fazendo um gesto
Assim botaram a perder
Dissemos andamos fazendo
O que seu Duda vem fazer

Aí nos juntamos os quatros
Como é a forma moderna
Entramos no barracão
Como quem não se governa
Bebendo em todo lugar
E glosando em qualquer taberna

Naquele dia em Natã
Só era o que se falava
Quatro cantores da Praça
todo mundo admirava
E eu ser também do Recife
Era só o que faltava

Como ia com os outros
 E ninguém me conhecia
Me chamavam praciano
E eu também nada dizia
Achando bom ser da Praça
Na vida ao menos um dia

Assim levamos o dia
Só em beber e glosar
As cinco horas da tarde
Tratamos em nos separar
Saindo de dois a dois
Cada dois para um lugar

Zé Duda e Manoel Raimundo
P'ra casa de Manoel Monge
Eu fui com José de Lima
Para a rua da Cabonge
Umas quatrocentas braças
Uma da outra era longe

Zé Duda e Manoel Raimundo
Formaram seu arraial
Eu também com Zé de Lima
Até não fomos tão mal
Na casa do capitão
Joaquim Távora de Tal

Eu disse a José de Lima
É preciso lhe avisar
Canto hoje até meia noite
Porque preciso voltar
A Rua da Boa Vista
Ver hoje o Duda Cantar

Lima disse muito bem
E o contrato se fez
nunca ouviste José Duda
Está muito bom desta vez
Mas foram eles quem chegaram
As onze e cincoenta e três

Faltavam sete minutos
Estávamos terminando
Quando vimos muita gente
Do chalé se aproximando
Na frente daquele povo

Nós vimos se levantando
Nossos espectadores
Eles entravam dizendo
Boa noite meus senhores
Deram um tema inda me lembro
Hoje quatro cantadores

Deram logo o copo a Duda
Disse ele até já bebi
Mas como o senhor me pede
Vou fazer o gosto a si
Levou fim toda "genebra"
Que apareceu por ali

Duda recusou o copo
Depois sempre recebeu
E eu não tenho lembrança
Se outra pessoa bebeu

Depois deixamos a glosa
Foi o trabalho primeiro
Vi que José Duda disse
Zé de Lima, cavalheiro
Se possível eu quero
Cantar com teu companheiro

Zé de Lima disse canta
Dê o caso no que der
Salvo caro José Duda
Se Marinho não quiser
Apenas é meu companheiro
Porém canta com quem quer

Mas eu vi que Zé de Lima
Qualquer cousa auxiliou
O capitão Joaquim Távora
Um jaquinha cortou
Preparamos os instrumentos
E José Duda perguntou

Então Antônio Marinho
A quem nunca conheci
Pelos outros cantadores
Ouvia falar em si
O senhor é do sertão
e que anda fazendo aqui

Zé Duda sua pergunta
Vou Responder de momento
Sou filho de São José
Cantor de pouco talento
Ando vendendo cantigas
Comprando conhecimento

Anda vendendo cantigas
Comprando conhecimento
Mas me diga se não acha
Que isso é muito atrevimento
Outro homem aqui não canta
Sem o meu consentimento

Eu não duvido porque
Nunca duvidei ninguém
Pretendo apenas saber
Que direito o senhor tem
Se cantar aqui paga imposto
Diga que eu pago também

Não é porque pague imposto
Com isto niguém me vence
Que triunfa de seu Duda
É que cantador não pense
Eu quero que todos saibam
Que essa terra me pertence

Até aí senhor Duda
Ainda tenho razão
Vim a trem, cheguei a noite
Quando baixei do Sertão
Tanto que não vi os postes
De sua demarcação

Eu não sou proprietário
Mas aqui sou professor
Diante de mim cantando
Ninguém mostrará valor
Nisso Recife tem dono
Este velho cantador

Tenho visto maior cousa
Se tornar pequena e vã
Alguém subindo a ladeira
Cansa antes de ver a chã
O senhor domina Recife
Aqui é Vila Natã

Eu domino em qualquer canto
Saibas Antônio Marinho
Recife é minha rodagem
Mas tem estrada e caminho
Que são os seus arrabaldes
Domínios deste velhinho

Zé Duda eu não posso ser
Maestro de cantoria
Professor da vossa arte
Consultório em poesia
Mas também quando viajo
Ando sem carta de guia

Mas quando vagar a notícia
Que José Duda morreu
Vocês mesmo todos dizem
A semente se perdeu
E Pernambuco não cria
Outro Duda como eu

Tenho visto mais fartura
Transforamar-se em escassez
Pode o mesmo Pernambuco
Brotar flores outra vez
Quem vinga um, vinga dois
E quem cria dois, cria três

Cuidado Antônio Marinho
Comigo ninguém se iluda
Porque p'ra cantar repente
Só se fala em José Duda
Velho que quando arma um verso
Baixa um anjo que ajuda

Até aí senhor Duda
Sou a sua imitação
Quando armo um verso também
Naquela ocasião
Parece seguir-me um anjo
Levando uma luz na mão

Olhe depois ninguém diga
Que o velho Zé duda é mau
Que o velho sobe a tribuna
Menino desce degrau
Fala fino, almoça couro
Fala grosso, janta pau

Um velho lutar comigo
É um negócio que está findo
Velho onde anda é escorregando
Onde escorrega é caindo
Onde cai, fica deitado
Onde se deita é dormindo

Então Antônio Marinho
Não nos convém discussão
Desculpa-me a ousadia
 Da minha interrogação
Me dizes se és hoje em dia
O cantor do teu sertão

Caro Zé Duda eu sou
Fraco cantor de repente
Ainda sem profissão
Cantando casualmente
Este nome, são os setanejos
Que dão imeritamente

Faz bem me dizer assim
P'ra não ser exagerado
Mas não é essa a notícia
Que por aqui tem chegado
Do mesmo José de Lima
Estou muito bem informado

José Duda não é tanto
Quanto os mais dizem a si
Zé de Lima por exemplo
Tem razão até aí
É filho da mesma terra
Nasceu onde eu nasci

Não somente Zé de Lima
Mais alguém em quantidade
Tem me dito que tu és
Na tua localidade
Eu soube desta notícia
Venho saber se é verdade

Duda não sou mais do que
Fraco cantor de repente
Como já disse é um nome
Que dão imeritamente
E tudo não é verdade
Mas quem lhe disse não mente

É essa mesma notícia
que vaga lá na cidade
Se quem me disse não mente
Queres dizer que é verdade
Mas para enfrentar o Duda
Eu acho pouco a idade

Com vinte e oito anos
Quatro nesta profissão
pronto para enfrentar tudo
Meus anos ainda não estão
E os seus porque já passaram
estão em pior condição

Então Antônio Marinho
Discussão não nos convém
Faço isto p'ra saber
Quem canta ou não canta bem
Que sou o cantor dessa terra
Mas não catuco ninguém

Eu logo achei impossível
Emigrar do meu Sertão
E o senhor expulsar-me
Em vez de dar proteção
Tanto que ia perguntar
Pela sua educação

Marinho isto é um costume
Que o velho colega tem
Que é para saber logo
Quem canta ou não canta bem
Que não sei que dia passo
Por sua terra também

Bem sei que é José Duda
Nosso forte baluarte
O foco de luz central
Gasometro de onde parte
Toda iluminação
Que nos clareia esta arte

Se embarcar no trem da Várzea
Na estação do Zumbí
Pergunte que todo mundo
Diz a etrada é essa aí
Se quer visitar o Duda
Ele mora bem alí

Estou no Recife a meses
E andar a sós começo
Do Recife a Caxangá
Raras vezes atravesso
Como estou a precisar
Do favor não me dispesso

Findamos a cantoria
 De "genebra" tudo cheio
Creio que o meu cantar
Não achou tão mau, tão feio
Tanto que em quinze eu fui
E em dezessete ele veio.

FIM