domingo, 2 de outubro de 2011

O CASAMENTO DO CALANGRO

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O casamento do Calangro é um história contada em versos, cujos personagens são "bichos" nordestinos, que repetem a história dos homens.

Esse cordel que apresento hoje é de autoria do poeta João Martins de Atayde. Natural da então Vila Cachoeira da Cebola, pertencente ao município de Ingá, na Paraíba, é considerado um dos poets mais populares do Norte do Brasil.

É um dos mis importantes cordelistas brasileiros, tendo se tornado um verdadeiro ídolo popular. Não apenas de gente pobre e humilde, semi-alfabetizada e mesmo analfabeta do interior, mas da gente remediada e rica das zonas urbanas, capitais e cidades importantes, entre elas Salvador, Recife e Fortaleza.

Leia o e-book no Google, CORDEL- JOÃO MARTINS DE ATHAYDE, é um livro com 216 páginas que traz no seu bojo a dimensão do valor desse grande vate nordestino.

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sábado, 1 de outubro de 2011

A HISTÓRIA DE JOSÉ DO EGITO


História de José do Egito
João Martins de Atayde

Jacob foi um patriarca
De uma vida exemplar
Teve Raquel como esposa
Uma jovem singular
Pai de José do Egito
De quem pretendo falar.

Foram pais de onze filhos
De uma só geração
Não quero falar de todos
Pra não fazer confusão
Falo em José do Egito
Benjamim e Simião.

José era o mais moço
De Jacob era estimado
Devido essa simpatia
Pelos outros era odiado
Esse ódio aumentou tanto
Que o velho tinha cuidado.

José conhecendo isso
A todos ele temia
A intriga aumentou mais
Porque José disse um dia
Um crime que tinham feito
De cujo ninguém sabia.

Eles pensavam consigo
O que deviam fazer
Para dar fim a José
Sem o velho conhecer
Vivia o pobre menino
Sentenciado a morrer.

Disse José aos irmãos:
- Eu essa noite sonhei
Que nós andávamos juntos
E por um lugar passei
Vi onze adorando um
Quem era, também não sei.

Disse José outra vez:
- Eu tive outro sonho assim
Que me achava no deserto 
Dum oceano sem fim
O sol, a lua, onze estrelas
Estavam adorando a mim.

Ficaram encolerizados
De inveja e de paixão
Vendo que aqueles sonhos
Eram a predestinação
Entre si todos juraram
De assassinar o irmão.

Eles pastoravam gado
Distante da moradia
Já o velho impaciente
Por não vê-los todo dia
Mandou José saber deles
Sem se lembrar da porfia.

Quando avistaram José
Criaram tanto rancor
Olhavam uns para os outros
Com olhos de traidor
Dizendo: - Vamos matá-lo
Porque ele é um sonhador.

Disse Rubens aos outros:
- Cá na minha opinião
Eu acho uma cousa triste
Assassinar um irmão
Botem ele na cisterna
Não lhe dê água nem pão.

Assim mesmo eles fizeram
Quando o menino chegou
Tiraram o roupa toda
Ele despido ficou
Botaram ele na cisterna
Ali mais ninguém passou.

Depois que José estava
Naquela horrenda prisão
Passaram uns israelitas
E tiveram compaixão
E chamaram os assassinos
Para comprar-lhes o irmão

Por vinte moedas em prata
Foi o menino vendido
Todos que assistiram a venda
Consideravam perdido
Numa nação estrangeira
Como escravo desvalido.

Depois pegaram a túnica
Que José tinha deixado
Quando entrou na cisterna
Que eles tinham tirado
Mandaram levar ao velho
E dar-lhe mais um recado.

Botaram sangue na túnica
E mandaram o velho ver
Dizia assim o recado:
- Meu pai, procure a saber
De quem era essa túnica
Não podemos conhecer.

Quando o velho viu a túnica
Começou logo a chorar
Oh! Meu Deus, perdi meu filho
Como é que hei de passar?!
Foram as feras do deserto
Que o quiseram matar!

Enquanto Jacob chorava
A morte do filho amado
Ele entrava no Egito 
Para onde foi levado
Foi vendido a Putifar
Intendente do reinado.

José que era um moço
Dotado de consciência
Putifar encontrou nele
Força de inteligência
Confiou da sua casa
Toda superintendência.

Em poucos dias depois
A mulher de Putifar
Intentou gozar-se dele
Não pode realizar
Por meio da falsidade
Prometeu de se vingar.

Disse ela a Putifar:
- Seu empregado é ruim
Inda ontem aquele infame
Dirigiu pilhéria a mim
Sendo eu sua esposa
Não posso ficar assim.

Putifar logo afobou-se
Ficou sego de paixão
E mandou chamar José
Na mesma ocasião
Foi duas praças com ele
Pra remetê-lo à prisão.

Entrou José na prisão
Dele ninguém tinha dó
Depois ficou mais contente
Porque não estava só
Se achava mais um copeiro
Da corte de Faraó.

Depois chegou um padeiro
Que preso também ficou
Um deles teve um sonho
E outro também sonhou
Todos mistérios dos sonhos
Foi José quem decifrou.

Disse o padeiro a José
Tudo que tinha sonhado
Por ordem de Faraó
Ia ser crucificado
E pelas aves de rapina
Seu corpo era devorado.

Disse o copeiro a José
Prometendo não faltar
- Pela sua liberdade
Eu tenho de trabalhar
Só terei algum descanso
Quando você se soltar.

Apesar dessa promessa
Ser de tão boa vontade
Porém como a tal prisão
Foi feita com falsidade
José passou mais dois anos
Sem gozar da liberdade.

Faraó teve dois sonhos
Que o impressionaram
Vendo sete vacas gordas
Que dele se aproximaram
Vinham outras sete magras
Que as gordas devoraram.

Quando foi no outro dia
Faraó mandou chamar
Todos os sábios que haviam
Residentes no lugar
Cada um disse uma asneira
Não puderam decifrar.

O copeiro então lembrou-se
Do que tinha se passado
De um sonho que tinha tido
E José tinha decifrado
Mandaram soltar José
E trouxeram para o reinado.

José chegando na corte
Foi muito em recebido
Para decifrar o sonho
Que o Faraó tinha tido
José explicou tudo
Sem ter de nada sabido.

- Senhor; lhe disse José
Os sonhos são verdadeiros
Essas vacas gordas
São sete anos primeiros
Serão de tanta fartura
De abarrotar os celeiros.

- E as sete vacas magras
Por minha vez também cismo
São sete anos de seca
De miséria e cataclismo
A nação que descuidar-se
Cairá sobre o abismo.

- Eu acho conveniente
Que a vossa majestade
Procure um bom ministro
Que tenha capacidade
Para comprar todo trigo
Que aparecer na cidade.

- Se acaso rei meu senhor
Este conselho não tome
Chegando o tempo da crise
O Egito muda de nome
Se acabam os pobres na rua
Todos morrendo de fome.

Faraó vendo a conversa
Anti-tradicional
Vendo que o cataclismo
Se torna universal
Disse a José: És ministro
Pela ordem imperial.

O rei lhe dizendo isso
Entregou-lhe um anelão
Dizendo: Pega esta jóia
Que te dou por distinção
Dora em diante serás chefe
De toda esta nação.

Tinha José nesse tempo
Trinta e um anos de idade
Tomou conta da missão
Tinha plena liberdade
De fazer naquele reino
O que tivesse vontade.

Chegou o tempo abundante
José pegou a comprar
Trigo, feijão e farinha
Vindos de todo lugar
Depois dos celeiros cheios
Não teve onde botar.

Mandou fazer um depósito
De muito grande extensão
Num dos pontos da cidade
Prevendo a ocasião
Pra socorro da pobreza
Sendo da sua nação.

Um tempo assim como aquele
Nunca se viu outro igual
As nações tinham fartura
De um modo descomunal
Findou o tempo abundante
Entrou a crise fatal.

Já depois de quatro anos
Que o cataclismo assolava
O povo das caravanas
Que no Egito passava
Via que nesse lugar
Em fome nem se falava.

Vagou aquela notícia
Que no Egito inda tinha
Recurso para a pobreza
Trigo, feijão e farinha
Todo dia vinha gente
Da região mais vizinha.

A fome assolava o mundo
O grande também sofria
Substância de alimento
Em parte alguma se via
O rico morrendo à fome
E o dinheiro não vali.

Jacob, o pai de José
Vendo o tempo muito ruim
Mandou os filhos ao Egito
Naquelas estradas sem fim
Mandou os outros mais velhos
E ficou com Benjamim

Chegando eles no Egito
Depressa foram levados
À presença de José
Para serem interrogados
José conheceu bem eles
Logo que foram chegados

José fingiu-se inimigos
Vendo aqueles condições
Que os irmãos se achavam
Sabendo que eram bons
Lhes disse: de onde vêm
Que me parecem uns ladrões?

Responderam com espanto:
É horrível a nossa sina
Somos filhos de Jacob
Natural da Palestina
Viemos comprar legumes
Que a fome lá é canina.

José ficou comovido
Porque tinha compaixão
Apesar de ter sofrido
Deles aquela traição
Então perguntou a eles:
Sua irmandade quais são?

- Nós éramos 12 irmãos
O caçula não quis vir
Porque meu pai já é velho
Só ele o pode servir
Quanto ao nosso irmão José
Esse deixou de existir.

Disse José para eles:
Eu só posso acreditar
Desse seu irmão mais novo
Se vocês forem buscar
Ficando um de vós preso
Até o outro chegar.

Disseram: rei meu senhor
Nós não fazemos questão
Nos venda um pouco de trigo
Temos muita precisão
Quanto ao que fica preso
Deixo ficar Simião

José mostrou-se contente
Deu a resposta que sim
Mas disse a eles depois:
O tempo inda está ruim
Quando vier comprar trigo
Me traga o tal Benjamim

Aí voltaram os outros
Porém sem consolação
Chegaram na Palestina
O patriarca ancião
Foi perguntando aos filhos:
Onde ficou Simião?

- Simião ficou lá preso
Agora é que está ruim
Porque quando nós saímos
O rei nos disse assim:
Quando vier comprar trigo
Me traga o tal Benjamim

Dizia o velho chorando:
Chegou o meu triste fim
Porque é esse um dos filhos
Que não se aparta de mim
Como viverei no mundo
Ficando sem Benjamim?!

Judá insistiu com ele
Contando o que foi passado
- Eu tomo conta de tudo
Meu pai, não tenha cuidado;
Dizia o velho: ele indo
Para mim foi sepultado!

- Se eu digo estas palavras
É porque tenho razão
José os bichos comeram 
Nas brenhas da solidão
Agora sem haver crime
Ficou preso Simião!

Judá pelejou com ele
Até o velho aceitar
Se Benjamim lá não fosse
Nada podia arranjar
Só no Egito é que tinha
O que eles iam comprar.

Eles seguiram viagem
O velho ficou sentido
Judá chegou no Egito
Foi muito em recebido
Porque levou Benjamim
Que José tinha pedido.

José vendo Benjamim
Conheceu logo também
Perguntou com cara feia
(porém os tratando bem):
É este o irmão mais novo
Que vocês dizem que têm?

Judá lhe disse que sim
Partido de comoção
Dizendo: - Rei, meu senhor
Nos conceda a permissão
Para que possamos ir
Aonde está Simião?

Disse José: podem ir
Visitar o seu irmão
Ele até aqui não teve
Nenhuma perturbação;
José só tinha ele preso
Fazendo a comparação.

José diante essas coisas
Não podia se conter
Chorava em seu aposento
Que só faltava morrer
Pois inda não era tempo
De se dar a conhecer.

Todos irmãos de José
De nada tinha sabido
Vendo José como rei
Dum país desconhecido
Sendo ele o tal irmão
Que eles tinham vendido

Depois José chamou eles
Dando plena liberdade
Dizendo: vão passear
Pelas ruas da cidade;
Só assim José podia
Fazer a sua vontade.

Eles com essas palavras
Ficaram muito contentes
Aí José mandou logo
Chamar o seu intendente
Dizendo: encha bem cheio
O saco daquela gente

- Depois dos sacos bem cheios
Faça jeito de botar
A minha taça de prata
Sem ninguém desconfiar
No saco de Benjamim
Pra quando ele for, levar

O intendente fez tudo
Como José lhe mandou
No saco de Benjamim
Ele a taça colocou
Benjamim que não sabia
No outro dia levou

Assim que eles saíram
José mandou uns soldados
Dizendo: peguem uns rapazes
Que vão ali carregados
E tragam a minha presença
Para serem interrogados

Eles iam muito alegres
Só por levar Simião
Dizia Judá: fizemos
Muito boa arrumação;
Nisto gritaram pra eles
Lhes dando voz de prisão

Logo aí foram levados
À presença de José;
- Quem roubou a minha taça
Terá prisão de galé
Faz vergonha nos senhores
Não ter um homem de fé

Disseram: rei, meu senhor
Nós nunca roubamos nada
Essa taça de que falam
Nunca pode ser achada
Mande correr nossos sacos
Só ela sendo encantada.

- Não pensei que em Palestina
Tivesse gente ruim
Passem u'a corra nos sacos;
José então disse assim
A taça foi encontrada
No saco de Benjamim

Aí caíram por terra 
Botando os joelhos no chão
Dizendo: rei, meu senhor
De nós nenhum é ladrão
Porém seremos levados
À morte na prisão.

José partido de pena
Não podendo resistir
Disse ao seu intendente:
Mande este povo sair
Basta ficar estes homens
A quem preciso eu ouvir

Quando saiu todo povo
Inda mais se comoveram
José lhes disse chorando:
- Inda nao me conheceram?
Eu sou vosso irmão José
O tal que vocês venderam

Que hora amarga e feliz
Para quem compreender!
Toda tristeza que havia
Foi transformar-se em prazer
Ficaram todos felizes
Dessa data até morrer

José mandou vir também
O seu pai idolatrado
Quem trouxe foi seu irmão
Com muito zelo e cuidado
Jacob findou os seus dias
Vivendo sempre ao seu lado.

FIM